Atividade física na adolescência
Atividade física na adolescência: recomendações atuais
Atividade física na adolescência é um tema muito importante e atual, que costuma gerar muitas dúvidas sobre a melhor prática médica em relação ao assunto.
Confira as recomendações da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte sobre Atividade física na adolescência
O grupo de crianças e adolescentes caracteriza-se por indivíduos que praticam atividades físicas e esportivas de maneira muito variável, engajando-se na maioria das vezes em esportes recreativos. Entretanto, muitas vezes atingem níveis de moderada a alta intensidade, sendo tão competitivos como nos níveis atléticos e, mesmo não realizando treinamentos sistemáticos, em determinadas ocasiões superam até os de níveis atléticos.
Torna-se, portanto, impossível, em termos de intensidade e gastos energéticos, uma diferenciação entre atletas e não atletas. São crianças e adolescentes que podem competir sistematicamente, por vezes já vinculadas profissionalmente com o esporte por meio de clubes e patrocinadores de qualquer natureza.
Por vezes são colocados sob estresse físico e psíquico intenso, inclusive em algumas situações pelo posicionamento questionável dos pais ou responsáveis, que devem ser sempre orientados quantos aos riscos inerentes de tal prática nessa faixa etária.
Atleta competitivo é aquele que participa de um time organizado ou esporte individual que requer treinamento sistemático e competições regulares visando a um objetivo, seja ele prêmio ou excelência na modalidade. Em geral são federados e/ou pertencentes a clubes esportivos.
Nessa faixa etária em especial, a diferenciação entre atletas e não atletas “competitivos”, como já comentado anteriormente, é praticamente impossível.
Avaliação clínica pré-participação esportiva
A avaliação pré-participação esportiva vem se desenvolvendo e se tornando cada vez mais formal, sendo uma atitude legal em alguns países, como a Itália.
História clínica
Um consenso mundial já estabelecido é o da realização de uma história clínica bem conduzida, focando principalmente sintomas e antecedentes pessoais assim como antecedentes familiares de cardiopatia, principalmente ocorrência de morte súbita precoce.
Em posicionamento oficial a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte recomenda que, do ponto de vista de saúde pública, crianças e adolescentes podem participar de atividades físicas recreacionais de baixa ou moderada intensidade sem a necessidade de um exame pré-participação formal.
Quando o objetivo for o esporte competitivo ou atividades físicas de alta intensidade, o jovem necessita de uma avaliação médica e funcional, incluindo composição corporal e capacidade aeróbia e anaeróbia. Grau de recomendação: IIa / Nível de evidência: B
Nos casos selecionados com história pessoal ou familiar de doença cardíaca, alterações no exame físico ou no eletrocardiograma, impõe-se uma avaliação cardiológica mais aprofundada antes da liberação para atividade esportiva. Essa avaliação pode incluir a realização de ecocardiograma transtorácico, teste ergométrico máximo e holter de 24 horas. Grau de recomendação: IIa / Nível de evidência: B
A melhor estratégia para realizá-la nessa faixa etária ainda é um motivo de grande discussão em vários países. Tais dados podem ser muito bem obtidos por meio de questionários validados como da American Heart Association (AHA) e das Recomendações para Morte Súbita do Comitê Olímpico Internacional (Lausanne).
Particularidades que devem fazer parte da história pessoal e familiar de atletas (Adaptação das Recomendações para Morte Súbita do Comitê Olímpico Internacional – Lausanne)
– Algum médico já disse que você possui algum problema de coração?
– Na sua família existem casos de morte súbita ou cardiopatia? Na sua família existem casos de cardiopatia, morte súbita prematura antes dos 50 anos ou arritmias cardíacas?
– Presença de familiares com doenças genéticas? Cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia dilatada, canalopatias, arritmias, síndrome de Marfan.
– Dor ou desconforto precordial ao esforço ou em repouso: Você sente dores no peito quando pratica atividade física? No último mês, você sentiu dores no peito quando praticou atividade física?
– Pré-síncope ou síncope, principalmente se relacionada ao esforço: Você apresenta desequilíbrio devido a tonteiras e/ou perda da consciência?
– Arritmias: Observa palpitações (falhas ou disparadas do coração)?
– Patologias já diagnosticadas: História pregressa de sopro cardíaco? História pregressa de hipertensão arterial? História pregressa de doença metabólica? Uso de substâncias para aumento de rendimento/uso de qualquer medicação? Proveniente de zona endêmica para doença de Chagas?
– Você possui algum problema ósseo ou articular que poderia ser piorado pela atividade física?
– Você toma atualmente algum tipo de medicamento? Questionar diretamente antihipertensivos, AINEs, anabolizantes, drogas ilícitas, consumo de álcool.
– Existe alguma outra razão pela qual você não deve realizar atividade física?
No processo de crescimento e desenvolvimento, temos a sequência de eventos puberais que culminam com aparecimento de caracteres sexuais secundários resultantes da maturação hormonal, sistematizada por Tanner e classificada em cinco etapas, levando em conta, no sexo feminino, o desenvolvimento mamário e a distribuição e a quantidade de pelos pubianos e, no sexo masculino, os aspectos dos órgãos genitais e também a quantidade e distribuição de pelos pubianos.
A avaliação desses parâmetros é fundamental, pois o aumento de massa muscular, estatura, peso além da especialização motora estão relacionadas a ele. Apesar de haver uma constância na sequência das etapas de Tanner, o tempo de passagem de um estágio para outro é muito variável e, assim, a maturação sexual pode durar de dois a cinco anos.
O grande incremento do crescimento físico que ocorre na puberdade, o conhecido estirão do crescimento, é a fase da vida em que o indivíduo mais cresce. Geralmente, a aceleração do crescimento no sexo feminino ocorre no início da puberdade, entre os estágio 2 e 3, e sempre precede a menarca, que geralmente coincide com a fase de desaceleração do crescimento, e com o estágio 4. No masculino, usualmente a aceleração ocorre no estágio 3 e tem seu pico no estágio 4.
Eletrocardiograma em repouso
Eletrocardiograma em repouso nesse grupo se acompanha da mesma controvérsia já descrita como exame rotineiro. Pelas diferenças regionais extremas do país, levando em conta as evidências científicas disponíveis, recomendamos o ECG como segue:
– crianças e adolescentes saudáveis assintomáticos e sem nenhum fato clínico importante observado na avaliação médica inicial com história clínica detalhada e exame físico minucioso, atendendo aos questionamentos acima aqui mencionados. Grau de recomendação: IIa / Nível de evidência: C
– avaliação clínica pré-participação esportiva em crianças e adolescentes de 5 a 18 anos em início de treinamento organizado e competitivo em escolas esportivas, academias e clubes. Grau de recomendação: I / Nível de evidência: A
– em todas as crianças e adolescentes com alguma suspeita de cardiopatia de base, detectada com os dados obtidos durante a avaliação médica. Grau de recomendação: I / Nível de evidência: A
• Clique para conhecer a Definição do grau dos níveis de evidência.
Exames laboratoriais
Em relação à realização de exames laboratoriais, na faixa etária em questão assumem importância para controle de situações frequentes nessa população como parasitoses, anemias, erros alimentares e até em alguns casos desnutrição.
Consideramos os exames abaixo relacionados como passíveis de indicação, sempre na dependência da avaliação clínica prévia (Grau de recomendação: II / Nível de evidência: C):
– Hemograma: análise da hemoglobina, associada a anemias e leucopenia muito comum principalmente em jovens em treinamento, que pode acarretar aumento no risco de IVAS.
– Ferro e ferritina: ajuda no diagnóstico de anemia ferropriva e também serve para detectar síndrome de excesso de treinamento, na qual encontramos baixos níveis de ferritina.
– Sódio, potássio e cloro: detecção de distúrbios hidroeletrolíticos.
– Perfil lipídico e glicemia: atualmente devido a constantes erros alimentares das crianças e adolescentes, vem adquirindo importância principalmente na prevenção primária da hipercolesterolemia na idade adulta.
– Sorologia de Chagas: ainda é uma doença endêmica no Brasil e na América do Sul, causa de miocardiopatia, frequentemente subdiagnosticada, principalmente em indivíduos de nível socioeconômico mais baixo.
– Coprológico: identificação de parasitoses.
– Eletroforese de hemoglobina: avaliação de hemoglobinopatias como a anemia falciforme, importante na elegibilidade de indivíduos competitivos.
Teste ergométrico
A American Heart Association, em documento publicado em 2006 sobre o teste ergométrico em crianças e adolescentes, descreve entre as principais indicações nessa faixa etária (Grau de recomendação: IIa / Nível de evidência: B):
1- a avaliação específica de sintomas ou sinais induzidos ou agravados pelo exercício;
2- avaliar ou identificar resposta anormal ao exercício em crianças com doenças cardíacas, pulmonares ou em outros sistemas, incluindo a presença de isquemia miocárdica e arritmias;
3- avaliação da capacidade funcional para atividades recreacionais ou atléticas.
A 36th Bethesda conference e as Recommendations for competitive sports participation in athletes with cardiovascular disease referem que a realização do teste ergométrico está indicada na avaliação pré-participação nos indivíduos com cardiopatias congênitas, doenças valvares, miocardiopatias, hipertensão arterial, arritmias e outras condições de doença suspeita ou diagnosticada com o objetivo de avaliar a capacidade funcional, sintomas, arritmias e orientar a intensidade permitida para o exercício (Grau de recomendação: I / Nível de evidência: A).
Ecocardiograma
A ecocardiografia representa modalidade diagnóstica confirmatória a ser realizada após suspeição durante avaliação pré-participação inicial. Em crianças e adolescentes torna-se exame de extrema utilidade na presença de anormalidades no exame físico que levantem a suspeita de cardiopatia estrutural, em especial quando da ausculta de sopros cardíacos.
Nos casos onde são diagnosticadas alterações no ECG, sua realização passa a fazer parte do arsenal para o diagnóstico diferencial de cardiopatias graves e com potencial para desencadear morte súbita durante a atividade física, como a cardiomiopatia hipertrófica e a displasia arritmogênica do VD (Grau de recomendação: I / Nível de evidência: A).
Em indivíduos assintomáticos não existem, no presente momento, evidências que justifiquem sua utilização rotineira em programas de triagem populacional (Grau de recomendação: III).
Definição do grau dos níveis de evidência
Recomendações
Recomendações
– Classe I: Condições para as quais há evidências conclusivas e, na sua falta, consenso geral de que o procedimento é seguro útil/eficaz.
– Classe II: Condições para as quais há evidências conflitantes e/ou divergência de opinião sobre segurança e utilidade/ eficácia do procedimento.
– Classe IIa: Peso ou evidência/opinião a favor do procedimento. A maioria aprova.
– Classe IIb: Segurança e utilidade/eficácia menos bem estabelecidas, não havendo predomínio de opiniões a favor.
– Classe III: Condições para as quais há evidências e/ou consenso de que o procedimento não é útil/eficaz e, em alguns casos, pode ser prejudicial.
Evidências
– Nível A: Dados obtidos a partir de múltiplos estudos randomizados de bom porte, concordantes e/ou de metanálise robusta de estudos clínicos randomizados.
– Nível B: Dados obtidos a partir de metanálise menos robusta, a partir de um único estudo randomizado ou de estudos não randomizados (observacionais).
– Nível C: Dados obtidos de opiniões consensuais de especialistas.
Vale salientar que níveis de evidência classificados como B ou C não podem ser interpretados como recomendações fracas. Existem muitas recomendações consensuais, portanto com grau de recomendação I, com nível de evidência C (opiniões de experts). Por outro lado, algumas indicações consideradas controversas (grau de recomendação II) poderão estar alicerçadas em ensaios clínicos randomizados (nível de evidência A).
Causas de morte súbita relacionadas a atividade física na adolescência
Não temos registros epidemiológicos estatísticos no Brasil de mortes súbitas relacionadas a práticas esportivas nessa faixa etária, prendendo-se apenas à publicação de relatos de casos. A ordem abaixo, portanto, é seletiva, não caracterizando sua prevalência na população estudada.
– cardiomiopatia hipertrófica
– anomalia congênita de artéria coronária
– displasia arritmogênica de ventrículo direito
– alterações cardiológicas da síndrome de Marfan (ruptura de aorta)
– síndrome de pré-excitação (WPW)
– síndrome de Brugada
– síndrome do QT longo
– repercussões arrítmicas ou hemodinâmicas de cardiopatias congênitas
– miocardites
– comottion cordis
– doença de Chagas
– infecções, distúrbio de condução, alterações hidroeletrolíticas, anemia falciforme
– causas indeterminadas
Bibliografia
01. GHORAYEB N.; COSTA R.V.C.; CASTRO I.; DAHER D.J.; OLIVEIRA FILHO J.A.; OLIVEIRA M.A.B. et al. Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. Arq Bras Cardiol. 2013;100(1Supl.2):1-41
• Marcelo Meirelles
– Médico Pediatra
– Especialista em Hebiatria (Medicina do Adolescente)